segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Livro analisa primeiros anos da história nacional dos games; leia analise e entrevista


"1983: O Ano dos Videogames no Brasil" relembra época na qual os games já nasceram como obsessão nacional

O livro “1983: O Ano dos Videogames no Brasil” relembra um dos momentos mais ricos da história nacional dos games. Uma época na qual a novidade dos games caiu no gosto dos brasileiros e se tornou fetiche em plena recessão oitentista.

O UOL Jogos leu o livro e conversou com o autor Marcus Chiado, ex-colecionador de jogos clássicos que manteve vivo o amor pelo hobby lembrando a história nacional dos videogames. Confira abaixo a análise e entrevista:

Entrevista:

UOL Jogos: Como você teve a ideia de escrever esse livro?

Marcus Chiado: A ideia do livro ficou “cozinhando” na minha cabeça por ao menos uns 10 anos. Sempre me interessei pela história do videogame, enquanto nova forma de entretenimento, em nosso país. Ao descobrir o acervo digital do jornal Folha de São Paulo e também o acervo da revista Veja, automaticamente tive acesso a um mundo de informações com as quais não podia contar antes: nomes, datas, curiosidades, fatos etc. Informações “frescas” e da época em questão.

UOL: Como foi o processo de pesquisa? Conte-nos algumas curiosidades.

Chiado: Tanto no caso da Folha de São Paulo quanto da revista Veja, vasculhei virtualmente todas as edições de 1983, especialmente do caderno “Folha Informática”, que tivessem a ver com o assunto do livro. Há uma quantidade enorme de material – e muito, muito interessante! Usei, também, diversas revistas especializadas do período, tais como a Vídeo News, a Vídeo Magia, a SomTrês e a Micro & Video.

Há muitas curiosidades. Você sabia, por exemplo, que a Digimed, subsidiária da Sharp responsável pelo lançamento do Intellivision no país, preparou um vídeo em que, por meio de relatos de psicólogos e especialistas, ressaltava os jogos mais “inteligentes” daquele console em detrimento dos jogos puramente “motores” do Atari?

UOL: Qual foi o fim dessas empresas mencionadas no livro? Você pensa em escrever uma continuação?

Chiado: Sim, pretendo. Há uma “deixa” no fim do livro sobre isso. Eu até comentei um pouco sobre o ano de 1984, porém, o foco foi mesmo o momento único da chegada dos videogames ao país no ano de 1983.

UOL: No livro, nota-se que as empresas de videogame focavam forte no marketing em novelas, jornais, revistas e inserções de TV. Você acredita que os videogames tinham mais espaço no passado do que atualmente? Qual é a diferença?

Chiado: Sim, naquela época havia o frescor da novidade. Ninguém conhecia o videogame como nova forma de entretenimento, como um novo brinquedo. Tudo era novo. Esse frescor foi algo típico de 1983 e 1984, e foi muito marcante. O videogame era um símbolo da modernidade, todos queriam ter, ver experimentar. O comércio de varejo, acumulando perdas em setores como o de som e de televisão por causa da enorme inflação, viu o Natal de 1983 ser “salvo” com a chegada do Atari e Cia. Ltda. Depois, com a chegada de novas gerações de consoles (NES, Master System etc.), o videogame passou a ser algo mais “comum”, mais trivial.

UOL: Qual seu console favorito da época? Teve algum console que não veio para cá e você gostaria de ter visto de forma oficial ou até clonado?

Chiado: O Atari foi meu favorito, mas foi o Colecovision que sempre quis ter. Acabei conseguindo o meu somente em 1995 quando comecei minha coleção. Quando tirei o aparelho da caixa, parecia novamente uma criança de 10 anos!

UOL: Você enfatiza a importância da reserva de mercado nesse período inicial dos videogames. Como jogador - e não analisando questões políticas, essa lei foi boa?

Chiado: Como jogador a Reserva de Mercado foi ótima. Ela proporcionou a chegada de vários jogos, principalmente para o Atari, nas mais variadas marcas e fabricantes – e preços! Ainda que não “originais”, os cartuchos de outras marcas eram mais baratos e forneciam uma ótima opção à pessoa que quisesse ter ou experimentar os games. Depender apenas dos cartuchos da Polyvox, os únicos que seriam “originais”, era algo que custava mais – e a empresa não tinha a variedade de jogos da concorrência “desleal”, ou seja, dos cartuchos clones. Foi muito bacana.


Análise:
Os anos 1980 no Brasil ficaram conhecidos como a “Década Perdida”. Uma época de recessão, marcada por uma democracia sem tradição que cambaleava para encontrar o seu espaço após a ditadura, de inflação galopante e planos econômicos de contingência um mais utópico do que o outro. Porém, como o livro “1983: O Ano dos Videogames no Brasil” relembra, o período foi efervescente para o nascente mercado dos tais “vídeo jogos”.

Os primeiros consoles como apareceram ainda nos anos 1970, mas começaram mesmo a chegar ao Brasil apenas no início da década seguinte. No exterior sua expansão foi bem mais gradativa em comparação com o Brasil, onde a febre dos videogames deslanchou em um período muito curto de tempo.

Em poucos meses empresas foram criadas, milhares de cartuchos produzidos, e muitas e muitas “versões nacionais” de consoles apareceram, como o Dynavision, Top Game ou Plyvox. Versões compatíveis com os cartuchos dos originais e replicados na cara dura. Como o caso do “Dactari”, console da Sayfi Computadores cujo dono falava com todas as letras em uma matéria citada no livro: “Desmontamos o Atari e analisamos como funciona. Alguns componentes mandamos fazer aqui, os chips serão feitos por uma empresa americana. Nossa política é igual à dos japoneses: nada se cria, tudo se copia. Se deu certo com eles, por que não daria conosco?”. Não por acaso, quando finalmente chegou oficialmente ao Brasil o slogan da Atari sobre o seu console era “O Atari da Atari”.

O livro divide capítulos para quatro consoles principais e suas “famílias”, o Atari 2600, Odyssey, Intellivision e Colecovision. Outro fato interessante citado na obra são os nomes que os jogos nacionalizados ganhavam. “Pitfall!” virou “Pantanal”, “Kaboom” seria “T.N.T.” e “Freeway” se tornou “BR 101”. A adaptação aos gostos nacionais ia mais longe em alguns casos. O título importado “Pick Axe Pete” do Odyssey se tornou “Didi na Mina Encantada!” no Brasil, capitalizando no sucesso do filme “Os Trapalhões na Serra Pelada”.

“1983: O Ano dos Videogames no Brasil” se apoia em informações de blogs e fóruns de games. Apesar de à primeira vista a internet não ser a fonte mais fidedigna de dados, elas se mostram uma fonte valiosa de dados mantidos por entusiastas. Mesmo assim, a obra tem o cuidado de tirar a maior parte de suas fontes de reportagens de jornais e revistas do período e traz ilustrações com ar de “direto do túnel do tempo” de consoles, cartuchos, jogos e anúncios da época.

O livro se concentra em 1983 e 1984, mas faz falta um breve posfácio sobre que fim essas empresas e parcerias levaram nos próximos anos. A obra adota um tom bem direto e informativo, se concentrando em datas e nomes. Também seria muito bem vinda alguma espécie de tabela para melhor organizar a miríade de clones e empresas mencionadas no livro.

É difícil terminar de ler “1983: O Ano dos Videogames no Brasil” e não constatar como em certos aspectos o mercado de videogames retrocedeu no país. Os tempos são outros hoje, claro, e por mais que o mercado fosse empurrado pela “esperteza” das cópias nacionais é uma pena vermos como os games perderam espaço. Basta vermos as propagandas do Atari na televisão as enormes vendas nos magazines quando hoje elas são parcas, em grande parte devido às cargas tributárias. O livro até mesmo menciona o que talvez seja a primeira representação de um nerd em uma novela brasileira, com José Wilker em 1984 interpretando um entusiasta em novidades tecnológicas que possuía um Atari 2600 e robô-mordomo chamado Alcides em “Transas e Caretas”.

“1983: O Ano dos Videogames no Brasil” vai além do saudosismo de quem viveu essa época, e retrata um momento no qual a nação parecia apaixonada pelos videogames. Dizem que o Brasil é o país sem memória, e daí que vem a importância de registros como esse que não só protegem a nossa história como mostram como os videogames fazem parte dela também.

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